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segunda-feira, 31 de março de 2014

Precisamos falar sobre o Kevin (We Need to Talk about Kevin) - 2011; sangue e lágrimas

Precisamos falar sobre o Kevin (We Need to Talk about Kevin), lançado em 2011.
Um filme de Lynne Ramsay.
Suando amargura e remorso, uma Tilda Swinton incrível nos conduz por uma trágica história envolvendo psicopatia, maternidade e a delicada questão dos massacres cometidos por adolescentes em escolas americanas. E a cineasta Lynne Ramsay consegue fazer um excelente thriller. Adaptado do livro homônimo de Lionel Shriver.

Feliz e ambiciosa durante os tempos de solteira e início do casamento, Eva vê seus sonhos começarem a ruir com a chegada do filho Kevin. Apesar de não conseguir esconder a contrariedade, e por vezes praticar ações aos nossos olhos reprováveis, ela claramente ama o filho e tenta ao máximo ter paciência com ele. O problema é que desde bebê Kevin parece sentir ódio pela mãe e não perde oportunidade de fazer crueldades contra ele. E assim ele continua enquanto cresce.

Feito a partir de recortes do presente e do passado psicológico de Eva (o livro é construído a partir de cartas por ela escritas); que numa vida agora destruída vai relembrando a vida no passado, cheia de culpa e dúvidas; We need to talk about Kevin vai montando devagar sua premissa. Enquanto isso, aproveita para atiçar a curiosidade do público e criar uma tensão insuportável. Repleto de vermelho (além de cenas incríveis onde é a cor dominante, ou a iluminação é vermelha, esta cor sempre aparece ao longo do filme em pequenos detalhes da cenografia) ele vai preparando o público, anunciando que uma tragédia está por acontecer. O impacto no espectador é interessante.

Não pude evitar uma comparação com o excelente Elefante de Gus Van Sant, ambos abordam a mesma temática (embora de modos diferentes) mas com teorias antagônicas. Elephant mostra como um meio hostil pode formar pessoas violentas, enquanto este de Ramsay, embora o meio novamente esteja envolvido, defende que este comportamento pode ser nato (aqui representado por dois surpreendentes atores mirins, Jasper Newell e Rocky Duer, e mais tarde por um também incrível Ezra Miller), e pode acabar aumentando ou diminuindo conforme a educação recebida. Esta última tese, a meu ver é mais falha, e menos ampla. Mas ainda sim We need to Talk about Kevin agrada imenso pelo seu estilo e poder para criar tensão.

#ficaadica

sábado, 29 de março de 2014

A vida dos outros (Das Leben der Anderen) - 2006; vida contralada

A vida dos outros (Das Leben der Anderen), lançado em 2006.
Um filme de Florian Henckel von Donnersmarck.
Filme alemão vencedor do Oscar, A vida dos outros retrata a ditadura comunista na Alemanha Oriental e seus métodos de repreensão e censura. 

Um escritor da Alemanha Oriental, antes de confiança, passa a ser suspeito do governo na década de 80. Com isso ele tem a casa e o telefone grampeados e fica sob constante vigília. Ele namora uma atriz de teatro que também tem um caso com um ministro, que em troca dos favores sexuais permite que ela siga sua carreira. Mas as coisas começam a ficarem feias quando o escritor se une a amigos para escreverem textos criticando a vida no país. Então entra o oficial responsável por monitorar as escutas, que começa a se envolver com o caso.

A início o filme já lembra de A conversação de Coppola. Além de ambos envolveram grampos, espionagem e dilemas aos quais os espiões precisam optar, o clima de thriller e estilo de filmagens são parecidos dos dois casos.
Mas se o de Coppola se concentra mais no desenvolvimento de seu protagonista e seus serviços privados, Donnersmarck amplia o tema mostrando a espionagem oficial praticada por um governo ditador. O preço que ele paga é abandonar seu protagonista para desenvolver o drama da vida dos outros. Começamos por acompanhar de perto sua vida visivelmente triste e vazia (a cena da prostituta denuncia isso com clareza) e assim como ele passamos a espiar o escritor, mas depois Donnersmarck abandona um pouco nesse caminho. Só que isso também tem algo de positivo: a namorada, mais humanamente ambígua que o escritor, fica mais visível na trama. Mas nada tão bacana como o trabalho de Ulrich Mühe e seu personagem ainda mais ambíguo.

A trilha sonora é sempre presente, melodramática, o que desagrada. Apesar desses pequenos deslizes, o resultado final da obra ainda é bastante positivo. É notável a sequência de cortes, um trabalho de montagem excepcional. Sem muito falatório o elenco com muita competência vai revelando seus sentimentos e deixando claro o que pensam ou o que sabem. O clima de incerteza também é mantido. Pouco mais de duas horas de filme passam voando. Ele também parece ser bem verossímil no que diz respeito às ações praticadas pela polícia e pela ditadura.
A vida dos outros merece que você o espie.

#ficaadica

quinta-feira, 27 de março de 2014

Dogville (idem) - 2003; entre riscos de giz, o ser humano

Dogville (Dogville), lançado em 2003.
Um filme de Lars von Trier.
Considerado por muitos como a obra prima de Lars von Trier, dinamarquês que é um dos cineastas mais escandalosos dos últimos vinte anos, criando uma legião de fãs e detratores de sua obra, Dogville é um filme peculiar, que desfaz o sonho americano e mostra um lado não tão bonito da humanidade, de uma forma bem vanguardista e teatral.

Estamos na década de 30, durante a Grande Depressão iniciada com a quebra da bolsa em 29, num vilarejo chamado Dogville, onde vivem umas 20 pessoas pobres. Uma noite uma misteriosa mulher, Grace (Nicole Kidman), chega ao vilarejo fugindo de gangsters. Ela é amparada por Tom (Paul Bettany), um intelectual metido a escritor e a filósofo. Ele convence a comunidade a dar duas semanas para Grace provar que é uma boa pessoa. Se todos gostarem dela ela pode morar em Dogville e eles a ajudam a se esconder dos criminosos e da polícia, do contrário tem de ir embora. Eventualmente ela é aceita, mas a medida que passa o tempo sua situação fica pior e o tratamento que recebe vai mudando.

O que chama logo a atenção para Dogville é seu cenário: num galpão escuro há uma espécie de plataforma iluminada. Nessa plataforma há desenhada uma espécie de planta, indicando onde existe uma casa, um cão ou até uma groselheira. Há alguma porta, janela, ou pedaço de parede, mas quase tudo fica a cargo da imaginação do espectador. Apesar dessa falta de cenários concretos incomodar um tanto, ele tem papel importante ao nos dar uma sensação de onipresença e onisciência (sim, nós cinéfilos podemos ser deuses!) maior que a que muitas vezes temos no cinema convencional. Também é capaz de mostrar como ao mesmo tempo as pessoas estão cada uma em seu próprio mundo, indiferentes ao que acontece fora.
Essa loucura toda exige dos atores, muitas vezes, verdadeiras mímicas. E o elenco se destaca, sobretudo, claro, Nicole Kidman. A protagonista é doce e paciente, que por medo ou apatia fica passiva frente aos abusos que recebe.

Mas não para por aí. A crítica nas entrelinhas (acredite, ela é fácil de ser identificada, mas é retratada de modo bem discreto, quase cínico - uma história com direito a narrador e envolvendo uma mulher aparentemente ingênua não costuma levar suspeitas sobre seu conteúdo) é grande. Eu não duvido que Trier seja um homem muito deprimido e pessimista. Em Dogville ele mostra claramente sua visão negativa sobre a humanidade. Aos poucos as pessoas vão mostrando seu pior lado, antes mascarado: gente violenta, preconceituosa, egoísta e hipócrita. Retratando um período negro da economia americana, cheio de gente infeliz e pouco próspera, Trier também ri do sonho americano.
O que houve de críticas negativas foram muitas, mas, como era de se esperar, quase todas de críticos americanos. No restante do mundo foi um pouco melhor recebido, ou, ao menos, menos hostilizado pela crítica. Plateia nem tanto, não faltam relatos de que nos cinemas brasileiros as pessoas vaiavam, riam e faziam comentários sarcásticos em voz alta e boa parte deixava a sala antes do final. Há também quem diga que a obra defende vingança e violência, mas na minha opinião essa é uma interpretação simplória, precipitada e, se me permitem um julgamento tão pretensioso, tola.  

Minha impressão é de que é uma obra única e riquíssima, incrível apesar de desagradável. Mas obviamente não é um filme para todos os públicos, nem todo mundo é capaz de engolir um filme tão silencioso e um cenário mais simples que os de teatro. Sem falar nos exageros da trama, que busca identificação por parte do público mas não muita verossimilhança.

 #ficaadica

terça-feira, 25 de março de 2014

Nosso novo endereço já está funcionando

Conforme o resultado da enquete (que me alegrou: por unanimidade o vencedor foi meu candidato favorito), agora o blog está localizado em:

www.oqueassistirhojeanoite.com.br

Sem dúvidas um endereço um pouco mais curto e mais fácil de ser memorizado.
E o "www." ainda é facultativo!

Talvez não tenham percebido a mudança pois o antigo endereço continua funcionando. Vocês nem precisarão mudar seus marcadores, se não quiserem. Se já haviam decorado o endereço com o ".blogspot.", não precisam se preocuparem, ele ainda é válido.

Lembrando também que o blog continua com o mesmo nome, e pode ser encontrado normalmente nos sites de busca.
E quem assina nosso feed não vai notar diferença alguma, as atualizações automáticas continuarão normalmente.

segunda-feira, 24 de março de 2014

Waking Life (idem) - 2001; uma viagem onírica por questões existenciais

Waking Life (Waking Life), lançado em 2001.
Um filme de Richard Linklater.
Fazia algum tempo que não via um filme de animação tão peculiar. E tão experimental. 
Animação de Richard Linklater, da trilogia romântica Antes do..., a obra nos leva para dentro de um mundo onírico onde são apresentadas e debatidas questões sobre a existência humana. Não é um filme que agrada a todos os públicos, seu falatório sobre filosofia deve cansar a maioria das pessoas, mas os fãs de cinema que curtem temas mais densos, com pouca ação, deverão se apaixonar.

Acompanhamos o sonho de um jovem sem nome. Incapaz de acordar, ele vive um sonho dentro de outros. Nesses sonhos ele encontra pessoas, entre filósofos, bêbados ou simples desconhecidos, com os quais ele discute, de forma leve e bem humorada, questões sobre o sentido da vida, da existência humana,  sobre o mundo dos sonhos e até teologia. Espécies de visões também acontecem, onde ele vê pessoas conversando sobre o tema sem de fato ele estar presente na conversa.

Infelizmente meu conhecimento sobre Linklater não é dos maiores. Mas o pedacinho da obra dele que conheço já me permitiram perceber que além de ser um dos grandes cineastas da atualidade, tem como maior êxito em suas obras a força dos diálogos, que são o que sustentam e impulsionam os seus filmes sem de modo algum torná-los chatos. Waking Life e a citada trilogia romântica (talvez a mais bela da história do cinema) prova isso, é quase um milagre que 1h e 40min de falatório são sejam enfadonhos, pelo contrário muito interessantes.
Os personagens, inteligentes, se metem em apaixonadas conversas, debates, monólogos e discutem ideias e teorias, próprias ou de estudiosos. Procuram o significado de sua existência e não acham repostas.

Seu modo de produção também não é dos mais convencionais, tendo na época sido um dos precursores. A tal técnica do rotoscópio consiste em filmar o vídeo e montá-lo, e então aplicar, numa demorada edição, softwares que transformam a imagem em desenhos. O resultado é impressionante, mas, ao menos para mim, foi uma faca de dois gumes: o resultado é belíssimo, mas cansa a visão.
Talvez o problema tenha sido só comigo, não vi ninguém mais reclamar sobre isso, mas mesmo encantado com o filme, amando a beleza da animação e ele como um todo, precisei parar de vê-lo duas vezes. Minha visão cansava, eu começava a lacrimejar, tive leves vertigens. Precisei vê-lo "às prestações".
Acho que entendo porque: a imagem é cintilante e um tanto instável, a paisagem treme, oscila, expande, se contrai.
Apesar disso torno a repetir: o resultado é belíssimo, vivo. Lembra aquarelas, ou, por vezes, até quadros de Monet.
Esse incrível mundo aumenta ainda mais o ambiente e o estilo onírico (um pouco surrealista, até) da obra.

Uma cena em particular também chama a atenção: Julie Delpy e Ethan Hawke na cama conversando.
Antes do amanhecer é de 1995, Antes do por do sol, sua sequência, de 2004. Waking Life de 2001. Todos os três ambientados no ano de sua produção. Na época essa cena podia ser vista como consequência do primeiro filme da trilogia, a dúvida deixada com o final do primeiro filme sendo respondida, talvez um adiantamento do que poderia acontecer na sequência. Mas se você já conhece os filmes sabe que a cena é impossível de um dia ter acontecido, talvez não passasse de um sonho de Linklater do qual fomos cúmplices.

#ficaadica

sábado, 22 de março de 2014

O Leão no Inverno (The Lion in Winter) - 1968; lutando pela coroa

O Leão no Inverno (The Lion in Winter), lançado em 1968.
Um filme de Anthony Harvey.
Apesar de ser um pouco difícil acompanhar totalmente a trama, sobretudo por ela depender de fatos ocorridos no passado do filme e que não são muito bem esclarecidos, The Lion in Winter é um clássico dos anos 60 cultuado pelas atuações do elenco, que inclui ninguém menos que Peter O'Toole, Katharine Hepburn, um dos nomes mais famosos da história do cinema e até Anthony Hopkins, na estreia de sua carreira. Os fãs de histórias de realezas não podem perdê-lo. 

Voltamos ao século XXII quando Henrique II da Inglaterra (O'Toole) convoca a esposa Eleonora (Hepburn), ex-rainha da França - e que vive trancada por já ter se revoltado contra o marido - para o Natal. Ele pretende nomear qual dos filhos será seu sucessor, já que o rei da França está em sua casa exigindo que a irmã case com o herdeiro ou seja devolvida. Mas além de ser amante da irmã, ele tem uma preferência pelo caçula e Eleonora pelo mais velho. Enquanto isso os três filhos planejam um golpe e brigam entre si.
É uma adaptação da peça homônima de James Goldman, que também assinou o roteiro do filme. Além do tom teatral típico dos atores do período, há na obra outros aspectos que fazem-no muitas vezes parecer teatro filmado, sobretudo os extensos diálogos em longas cenas internas.
Apesar disso é um filme interessante. Além do deleite de observar Hepburn, na época já madura mas ainda belíssima, numa grande atuação que lhe rendeu um Oscar, o texto, apesar de às vezes cansativo, é bastante inteligente e afiado. Os personagens se ferem através das falas, quando rancores e remorsos se transformam em armas verbais que escondem traições e planos maquiavélicos. Uma família ligada pelos laços de sangue ou jogos de interesse mas que se não se amam e até se detestam, cada um mais interessado em poder e bens que os outros.
A trilha sonora também é boa e a fotografia, sobretudo quando em ambientes externos, quando são amplas e revelam bem os arredores, também é muito bela.

#ficaadica

quarta-feira, 19 de março de 2014

Salò ou Os 120 Dias de Sodoma (Salò o le 120 giornate di Sodoma) - 1975; perversão humana e crítica ao fascismo

Salò ou os 120 Dias de Sodoma (Salò o le 120 giornate di Sodoma), lançado em 1975.
Um filme de Pier Paolo Pasolini.
Polêmico desde antes de ser lançado - há quem acredite que o assassinato de Pasolini, pouco antes do lançamento, foi por causa do filme -, Salò ou os 120 dias de Sodoma foi proibido em vários países, devido a seu conteúdo brutal que mostra cenas de tortura, estupro, nudez aos montes e todo tipo de violência física, moral e sexual. Não é um filme fácil, nem é para todos os públicos. Além de forte e perturbador o ritmo é cansativo e a obra não oferece muitos atrativos em relação à narrativa ou as atuações (a maioria ruim, embora deva se considerar que um filme como este não é todo ator que tem coragem de participar e por isso boa parte do elenco nem é composto por atores profissionais).
É baseado na obra do controverso Marquês de Sade, mudando poucas coisas em relação ao livro.

A Ítália, depois de declarar guerra aos Aliados em 1940, sofreu grandes derrotas. Logo tropas aliadas controlavam boa parte do país e em 1943 Mussolini foi deposto (e a Itália, como sabem, mudou de lado e se voltou contra o Eixo). Mas com ajuda de Hitler, Mussolini conseguiu criar um pequeno estado nos territórios ainda livres das tropas alemãs e britânicas, a República de Salò. É na curta vida dessa república que o filme de Pasolini se ambienta. Quatro homens unem suas fortunas e com o dinheiro levam moças e rapazes sequestrados, prostitutas velhas que contam histórias horrendas e soldados "bem dotados" para uma mansão isolada, onde eles podem se aproveitar dessas pessoas e realizar as mais sórdidas fantasias sexuais.

Poucos filmes conseguem chocar tanto quanto Salò, choque que continua mesmo depois que se termina de assistí-lo. Mas Pasolini não choca apenas por chocar, para causar rebuliço. Por trás de Salò há uma forte crítica, que por vezes se mostra explícita em algumas passagens. 
A maior crítica é ao capitalismo. Diz um dos personagens, eventualmente:

Só quando eu vejo a degradação dos outros, é que me alegro...
Enquanto homens forem iguais, sem esta diferença, a felicidade não pode existir...
Em todo o mundo, nenhuma volúpia lisonjeia mais os sentidos do que o privilégio social.

As vítimas dos quatro poderosos são instrumentos de prazer (prazer que ninguém parece sentir, nem eles próprios. O sexo sempre é vazio e frio). São objetos de consumo, um consumo que vai muito além do corpo, mas da dignidade humana. 
Também há uma visão pessimista do mundo e da humanidade, que não se abstém de praticar o mal e se aproveitar do mais fraco. No filme, as vítimas são obrigadas a aprenderem a também serem cruéis e depravados, e alguns de fato aprendem.
No mais também é muito fácil perceber uma dura crítica ao fascismo (que controla o povo submisso) e à ditadura religiosa praticada pela Igreja.

Nós Fascistas, somos os verdadeiros anarquistas.

O desrespeito aos atos religiosos,
por qualquer um, será punido com a morte.
(é irônica a hipocrisia dessa fala)


Não é um filme fácil, mas é uma obra de importância histórica que os cinéfilos menos sensíveis deverão querer conhecer.