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quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Desejo e perigo (Se, jie) - 2007; paixões proibidas e conflitos

Desejo e Perigo (Se, jie), lançado em 2007.
Um filme de Ang Lee.
O mais celebrado dos diretores asiáticos contemporâneos, Ang Lee (com dois Ursos de Ouro, dois Leões de Ouro - um por este filme - e três Oscar na estante), adaptou um best-seller lançado ainda nos anos 70 e criou um belíssimo thriller dramático que mais uma vez estuda as relações humanas e conta uma história de amor e ódio.

Estamos na II Guerra e a China está ocupada pelo Império Japonês. Wong Chia-chi (Tang Wei) é uma estudante universitária que por causa da ocupação deixou Xangai e se mudou para Honk Kong, onde entrou para um grupo de teatro idealizado pela resistência chinesa. Esse grupo de atores monta um plano para matar o Sr. Yee (Tony Leung), um aristocrata aliado aos japoneses, no qual Wong e um amigo devem se passar por um casal rico de sobrenome Mai e ela deve seduzi-lo e levá-lo para uma armadilha.

Ang Lee é um diretor de delicadezas e sutilezas. Vide outras obras suas como os excelentes O segredo de Brokeback Moutain e O tigre e o dragão. A sensibilidade que o diretor tem para enxergar beleza nos detalhes e revelar o turbilhão de sentimentos de seus personagens (mesmo quando são sentimentos velados) é muito grande. E aqui isso aparece nos closes nos rostos dos atores - revelando o mínimo tremor de lábios, o mínimo desvio de olhares - nos cortes e movimentos de câmera suaves que vão exibindo aos poucos os cenários e o elenco. 
De outro lado a brutalidade invade a tela em momentos de tensão e violência, com cenas sangrentas, uma relação sexual que mais parece um estupro e uma câmera agitada; afinal temos um suspense, um conto sobre agentes duplos. 
Entre estes dois extremos aparecem Wei e Leung nas controversas cenas de sexo que alguns chamam de explícitas. Sob uma luz cálida Lee filma os dois atores em verdadeiro coito (embora sem os closes do cinema pornográfico), observando como um voyeur os poros da pele suada de Leung, as axilas peludas e a pele úmida de saliva brilhando de Wei, os pelos pubianos e os espasmo e suspiros de gozo intermináveis dos dois ocorridos nas mais diversas posições. E no olhar dos atores, sobretudo de Wei, vemos o que eles sente, o que os afligem.

 
Os mais românticos acreditam no sexo como uma extensão e consequência do amor. Aqui Lee prova que o sexo é um ser independente, e que não raras vezes é ele a causa do amor; é em cada orgasmo que os laços afetivos dos dois são criados. Se apaixonam num jogo sexual de domínio e submissão semelhante ao de Marlon Brando e Maria Schineider em Último tango em Paris, embora Bertolucci tenha os filmado com mais impessoalidade do que Lee.
 
Enquanto se perdem na carne um do outro em quartos de hotéis, lá fora o país em plena guerra desaba, com as ruas cheias de miséria, militares e mortos. A cenografia e os figurinos incríveis ajudam na construção da parte estética da obra, filmado com o todo o bom gosto de Lee e da fotografia de Rodrigo Prieto.

sábado, 25 de outubro de 2014

Santos e Demônios (A Guide to Recognizing Your Saints) - 2006; partir; voltar

Santos e Demônios (A Guide to Recognizing Your Saints), lançado em 2006.
Um filme de Dito Montiel.
Autobiografia e estreia como cineasta do escritor Dito Montieli, Santos e Demônios acompanha a juventude de um grupo de rapazes num bairro problemático de Nova York dos anos 80. Os conflitos destes jovens entre si e suas famílias leva um deles, o próprio Dito, a fugir para a Califórnia. Depois de vários anos longe de casa, após saber da debilidade de seu pai, Dito volta e precisa enfrentar seu passado.

Montiel, para um iniciante, surpreende positivamente. Ele consegue levar sua obra adiante com um ar de melancolia e remorso. Com tomadas curtas, câmera na mão e fotografia acastanhada ele recria todo o ambiente e o contexto cultural e social de um bairro do Queens. Eram tempos e lugares de descrença, de desesperança. De violência, de drogas, de racismo, de xenofobia.

Dito é o garoto deslocado. É o Shia LaBeouf que sente que não pertence ao lugar. Sonha com uma vida melhor enquanto presencia seus amigos sucumbirem em sua volta e amarga a relação vazia e sem diálogo com seu pai omisso. Ele sabe que precisa tomar novos caminhos, não há perspectivas otimistas se permanecer ali. 
No fundo todos aqueles jovens desejam o mesmo, mas não é fácil partir.

Neste ponto o filme nos convida a refletir sobre a formação do indivíduo. O ser humano é fruto do ambiente em que vive. E se muda de ambiente, ainda assim permanece como parte do anterior, sobretudo do lugar em que viveu a adolescência, o período mais influente na construção da personalidade. Assim, nós somos uma parte do que vivemos: do local e das outras pessoas que passaram por nossas vidas. Pertencemos a pessoas e lugares. Por isso é tão difícil partir; mesmo quando se odeia a realidade e se anseia por uma melhor - caso de Dito. O escritor e cineasta visita o passado para estudar suas antigas amizades, sua relação familiar (sobretudo com o pai) e os laços que o ligam a eles.

Quando seguiu sua vida e deixou tudo para trás, Dito fez o que nem todos temos coragem de fazer. Deixou mágoas e pendências, se magoou. Sente que poderia ter feito algumas coisas de forma diferente. Por isso quando volta já adulto (Robert Downey Jr.) e bem sucedido, vem cheio de inquietações e de desejo de ser aceito novamente. Essa culpa também sente o Dito diretor. O filme é coberto por uma névoa de tristeza e remorso. O enredo que ele escreveu e filmou pode até parecer meio simplista e egocêntrico, mas que ele sabe destilar emoções, isso ele sabe.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Boogie Nights - Prazer sem limites (Boogie Nights) - 1997; excitante metalinguagem

Boogie Nights - Prazer sem limites (Boogie Nights), lançado em 1997.
Um filme de Paul Thomas Anderson.
Filmes pornográficos (diferentes de filmes "eróticos", que supostamente são mais artísticos, ou ao menos exploram a sexualidade de outra forma) são criados com o objetivo de excitar/estimular seu público. Boogie Nights não é pornográfico, mas fala sobre pornografia. E é excitante. A cena de abertura já é uma preliminar do que Paul Thomas Anderson nos entregará ao longo de duas horas e meia. São três minutos de traveling sem nenhum corte explorando diversos personagens numa casa noturna que é para deixar qualquer um ofegando.

Estamos nos anos 70 e acompanhamos a vida de uma equipe de atores e técnicos de filmes pornográficos, sobretudo a de Eddie Adams (Mark Wahlberg) que sob o nome artístico de Dirk Diggler se torna o maior astro do mundo pornô da década, e sua eventual queda. Nos bastidores desse mundo de sexo, drogas e festa vamos conhecendo os dramas dessa gente.

É impossível não comparar Boogie Nights com o Magnólia que Thomas Anderson lançou dois anos depois, seu próximo filme. Além do elenco das duas obras serem bem parecidos (Julianne Moore, William H. Macy, John C. Reilly, Philip Seymour Hoffman, Alfred Molina, Philip Baker Hall e Luis Guzmán são alguns dos nomes - todos bem reconhecidos, inclusive - que aparecem nos dois filmes), Boogie Nights é, de certa forma, uma preparação para Magnólia. Aqui ele, que também assina o roteiro, já explora várias tramas. Em Magnolia tudo é velado e a principio não é tão fácil inter-relacionar as tramas umas com as outras, até que o filme explicite isso. Em Boogie Nights isso não ocorre, o tempo todo os vários personagens estão diretamente ligados, mas isso não impede que o diretor se dedique um pouco de cada vez a estudar a humanidade de seus personagens, seus segredos, seus dilemas. Magnólia é de uma tristeza fúnebre, embora tenha suas pontas de humor negro. Boogie Nights é bem mais leve e engraçado - e também não falta o sarcasmo e o humor negro - mas também sobre ele parece haver uma névoa de tristeza pairando sobre essas pessoas em festas e felicidades falsas. É o prenúncio de o ciclo de prosperidade eventualmente acaba.

Muito além das qualidades do enredo e do elenco (que está tinindo, sobretudo Wahlberg, Moore, Reilly e Hoffman) o filme mostra o talento técnico de Thomas Anderson. A cena de abertura é só uma amostra do que este homem é capaz. Não faltam giros (é impressionante o poder de explorar os cenários), travelings, closes (até mesmo no caminhar), plongées e contra-plongées o filme todo. Tudo com muito bom gosto e sem excessos. A parte da montagem também é excelente. Quase tão excitante quanto a abertura são os cortes e movimentos de câmera frenéticos que durante quinze minutos ilustram a ascensão meteórica de Dirk Diggler. Não se pode deixar de enumerar também o grau de sensualidade que o cineasta consegue em muitas cenas, sem torná-las vulgar como a maioria das cenas de filmes pornográficos. Nada comparado a Almodóvar, mas ainda assim cenas quentes e belas.

Boogie Nights não é pornográfico, mas estimulará bastante sua audição e visão. É um divertido retrato de um período, dos badalados anos 70 e 80.

#ficaadica

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Marty (idem) - 1955; os feios também amam

Marty (Marty), lançado em 1955.
Um filme de Delbert Mann.
Lançado ainda nos Anos Dourados do cinema norte-americano, tempo de épicos grandiosos, galãs e beldades, Marty é sobre duas pessoas feias em busca de amor e felicidade. Essa desconstrução do modelo da época acabou dando ao filme de orçamento modesto o Oscar e a primeira edição da Palma de Ouro. Porém é um tanto insosso.

Marty (Ernest Borgnine), um açougueiro solteirão descendente de italianos, vive sendo cobrado de sua mãe e de outras pessoas que se case logo. Gordinho e pouco atraente, ele tem baixa auto estima e após muito insucesso com as mulheres e saídas sem sentido com outros amigos fracassados, ele desiste de procurar um amor. Mas depois de um apelo de sua mãe ele decide tentar mais uma vez ir em uma danceteria, onde conhece Clara (Betsy Blair) uma professora também solitária e não muito bonita.

Embora não faltem Marty's no mundo, pessoas solitárias com dificuldades em iniciar ou manter relacionamentos amoroso/sexuais, o filme não cativa muito. Até mesmo quem enfrenta estes problemas e se identifica com o personagem (que aliás é um belo trabalho de Borgnine) pode acabar achando a trama um tanto vazia. Em uma hora e meia de filme (o mais curto até hoje a levar o prêmio da Academia) o enredo aborda pouco mais de 24h na vida de Marty. Se essa sensação de quase acompanhar a rotina do personagem foi algo um tanto inovador para a época, também não deu o melhor dos resultados. A trama muito simples parece ter sido arrastada para alongar a duração da obra, por outro lado algumas mudanças nos personagens acontecem de maneira forçada, rápida demais. Como depois de uma vida toda tentando arrumar uma mulher para o filho, uma mãe, baseada numa conversa de cinco minutos (com uma vovó de quem ninguém gosta e que quase parece mais jovem que eu), começa a achar melhor que ele more sozinho com ela até sua morte? Como isso ganhou um prêmio de melhor roteiro?
Marty é um estudo de pessoas. Mas só ele parece ter sido bem estudado. Até Clara é bastante mau desenvolvida. Eita mulher chatinha, aliás. Sem sal e para trás como era, não é de se estranhar a falta de um amor; seu problema nem era a aparência, até era bonita. Foi uma tentativa não tão boa de filmar algo mais perto da realidade (afinal, o mundo é feito de pessoas feinhas, não das beldades do cinema); foi quase um cinema independente dos anos 50. Hoje já não é muita coisa.
A fotografia, porém, é boa; mesmo sem os cartões postais de Nova York enfeitando-a.

Não é de estranhar que seja um filme tão pouco lembrado hoje em dia. Não faltam filmes piores, mas para um ganhador de uma Palma de Ouro é bem frustrante e pouco recomendável. A não ser que você queira fazer uma indicação que talvez alegre momentaneamente - ou não - seu tio solteirão que já desistiu de arrumar companhia.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

A Casa dos Espíritos (The House of the Spirits) - 1993; fantasia e o horror da ditadura

A Casa dos Espíritos (The House of the Spirits), lançado em 1993.
Um filme de Bille August.
Baseado no romance homônimo da chilena Isabel Allende, A Casa dos Espíritos acompanha algumas gerações de uma família chilena nas vésperas do golpe militar que empossou Pinochet em 73 e deu origem à mais sangrenta das ditaduras sul americanas.

Blanca Trueba (Winona Ryder) retorna à casa onde cresceu acompanhada pelo pai já idoso. Ela então começa a narrar a vida de sua mãe Clara (Meryl Streep) desde que era uma criança com capacidade de conversar com espíritos e de mover e levitar objetos. Eventualmente ela se casa com Esteban Trueba (Jeremy Irons), um mineiro que conseguiu enriquecer e comprar uma fazenda e que ao longo do tempo e explorando nativos se tornou muito rico e influente. Anos mais tarde Blanca, ainda bem jovem, se envolve com Pedro (Antonio Banderas), filho de um nativo e de ideais socialistas.A situação da família se agrava quando Salvador Allende é deposto por um golpe militar.

O que segura o filme são as interpretações do elenco famoso. Embora todos os atores tenham trabalho muito melhores, num geral eles estão competentes. O enredo também é bastante interessante, embora sofra com os deslizes de uma adaptação não muito bem feita. Leitores do livro costumam chamá-lo de obra prima e apontam o filme como fraco e não muito fiel. Não li a novela, mas é mesmo perceptível uma certa dificuldade em se manter a narrativa com eficiência. Até mesmo é difícil reconhecer nele algo de chileno. Isso até é compreensível já que foi dirigido por um dinamarquês, em locações europeias, com atores anglófonos. Mas o roteiro não dá muitas pistas de que estamos no Chile (ás vezes até parece que se esqueceram), nem mesmo os nomes de Allende e Pinochet são mencionados para ajudar na caracterização dessa ficção com fundo histórico. Aqui os poderes sobrenaturais de Clara também nem fariam falta, de tão pouco explorados ou exibidos que são.
Clichês, melodramas e cenas desnecessárias também podem ser vistas. Por outro lado, há belas construções visuais; a fotografia é linda, em belos tons e ótima iluminação.

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Festa de Família (Festen) - 1998; o primeiro Dogma 95

Festa de Família (Festen), lançado em 1998.
Um filme de Thomas Vinterberg.
Festen tem uma importância relativamente grande na história do cinema europeu pois foi ele o primeiro do Dogma 95, movimento criado pelos dinamarqueses Thomas Vinterberg e Lars Von Trier em 1995 com o objetivo de tornar o cinema mais realista e autoral e menos comercial.

O respeitado patriarca de uma família rica, Helge, está completando 60 anos. Um enorme jantar é oferecido num hotel de sua propriedade para os familiares e alguns amigos. A família ainda está abalada com o recente suicídio de uma das filhas, irmã gêmea de Christian. A tempos a família toda não se reunia e nem todos tem as melhores relações uns com os outros. Durante o jantar Christian faz gravíssimas acusações contra seu pai em um discurso.

Nestes tempos de eleição um assunto que tem estado em pauta, com mais evidência que nunca, é o sobre os direitos da comunidade LGBT. No meio desse debate o que não falta nem nunca faltou são pessoas mais conservadoras defendendo o modelo tradicional de família, que dizem ser o que há de mais sagrado, indestrutível e imprescindível no mundo. Festen é sobre essa configuração tradicionalista e sobre como ela não está livre de falhas.
A família de Helge é uma dessas que deu errado. Aparentemente imaculada e bem sucedida, ela vai se mostrando corrompida a medida que podemos adentrar a sua intimidade. A família que devia ser de pessoas unidas e amadas, cuja função deveria ser se proteger, vai se revelando desunida, ressentida, desconfiada. Os filhos somem por longos períodos, um deles é um fracassado na vida que não faz nada vingar, outra é uma fonte de desgostos pelo estilo de vida mais liberal, um terceiro é o queridinho bem sucedido. A mãe só se preocupa com as aparências. As paredes conhecem segredos. Mágoa, remorso, tristeza, inveja, desprezo e vingança marcam presença na solenidade.

Não pude deixar de lembrar de Quem tem medo de Virginia Woolf? e Álbum de Família enquanto eu assistia Festen: são três filmes onde a roupa suja é lavada às claras, diante de outros. São filmes para compreender a complexidade que há por traz de qualquer família. São filmes que denunciam a falsidade e a hipocrisia que permeia as relações humanas, inclusive onde elas deviam ser mais transparentes.
A trama de Festa de Família é primorosa, deliciosa.

Porém Festen não é para todos os públicos. O Dogma 95 em si já é um movimento controverso que afasta quase todo o público. Para a maioria parecem filmes chatos, difíceis, "caseiros". Isso acontece porque necessariamente devem ser produções de baixo orçamento, sem iluminação artificial, sem cenografia elaborada, sem efeitos especiais e sem tramas não-lineares, em formato 4:3. Não é toda a gente que é capaz de aturar câmeras de mão muito trêmulas, fotografias escuras (as vezes até um pouco granuladas por causa dos altos ajustes de sensibilidade necessários por causa da pouca luz, outras vezes difíceis de serem vistas de tão negras), cortes rápidos e até frenéticos. Porém para os que se arriscam mais e gostam do inesperado, do novo, é prazeroso saber que algo tão bom foi filmado.