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segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Dançando no escuro (Dancer in the Dark) - 2000; musical peculiar e amargo

Dançando no escuro (Dancer in the Dark), lançado em 2000.
Um filme de Lars von Trier.
Conhecendo o pouco que conhecia de Lars von Trier, confesso que fiquei surpreso ao saber que Dancer in the Dark era um musical. Mas de imediato imaginei que só poderia ser algo bem singular. Não me enganei. O filme é obscuro, trágico e doloroso. Mas também é pulsante, vibrante. O filme foi premiado com a Palma de Ouro.

Selma (Björk) é uma imigrante tcheca que vive nos EUA dos anos 60 com filho. Ela trabalha numa metalúrgica ao lado da amiga Kathy (Catherine Deneuve) e é cortejada por Jeff. Ela e o filho vivem humildemente num trailer alugado de um policial (David Morse) e sua esposa. Cada centavo que ganha ela guarda numa caixa na esperança de poder pagar uma cirurgia para o filho, que evita que ele fique cego do futuro devido a uma doença hereditária que aflige a ela própria. A medida que vai cegando (na iminência de ser demitida), ela sonha acordada cada vez mais, sempre a ouvir música nos ruídos mais banais. Mas sua vida ainda pode piorar.

Lars von Trier sempre causa escândalo com seus filmes incomuns e declarações polêmicas. É amado e odiado. Mas reconheçamos que ao longo de sua carreira ele tem sido importante e vanguardista para o cinema contemporâneo. Nesse caso um dos casos dos bastidores foi uma relação conturbada e explosiva entre o diretor a cantora e atriz Björk, a islandesa que por esse papel visceral venceu o prêmio em Cannes.
O certo é que o cineasta sempre criticou em seus filmes os Estados Unidos (lugar onde nunca foi por falta de vontade e por ter medo de avião) e as hipocrisias daquela terra, e aqui não é diferente. No "país da liberdade, justiça e prosperidade", há espaço para a exploração, a xenofobia, a paranoia anti-comunista, a desonestidade, a ganância e um sistema de justiça falho. E para ferir os direitos humanos com pena de morte.
Entre tanta desgraça Selma arruma os meios que pode para cuidar do filho e sonhar. Fã de musicais de Hollywood, "onde não há problemas" como na vida real, é nesses devaneios, escapes, que as canções que a própria Björk compôs se encaixam no filme. Mas estes momentos de distração não dissipam o ar fúnebre e pesado do filme, até mesmo porque a tragédia também está nas letras.
Está também na fotografia escura, trêmula (câmera na mão); nos ambientes pouco acolhedores: barulhentos, sujos, mal iluminados; nas situações cotidianas que revelam preconceitos e raiva velados.

A visão de mundo, porém, não é tão pessimista como em Dogville - outro filme onde o cineasta destila críticas à sociedade americana -, onde todo um vilarejo é formado por más almas. Aqui ainda existem seres humanos capazes de compaixão e ternura, gente como Kathy e Jeff.

De toda forma não é um filme fácil; você estará arrasado e chocado ao final. Nem é para todos os públicos. Lars von Trier nunca o foi.




sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard) - 1950; quando a estrela deixa de brilhar

Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard), lançado em 1950.
Um filme de Billy Wilder.
Crepúsculo dos Deuses é um noir sobre o declínio do cinema mudo, trazendo Gloria Swanson como uma velha atriz, rica, complexada por ter sido esquecida pelo público depois de ter sido uma grande estrela do cinema sem som. Mais que isso, é uma crítica à indústria do espetáculo, que descarta sua gente quando envelhece ou perde parte da fama.

Joe (William Holden) é um endividado roteirista de cinema. Um dia, fugindo de credores que tentavam confiscar seu carro, ele se depara com uma mansão com ares de abandono em plena Hollywood. Ele descobre que lá vive Norma Desmond (Gloria Swanson), estrela de cinema mudo completamente esquecida pelo público. A contragosto, ele começa a trabalhar para ela, corrigindo um roteiro que ela escreveu com o intuito de reestrear no cinema. Também se envolve com ela, em troca de dinheiro e presentes caros. Mas o preço é alto.

Grande clássico do cinema e um dos mais aclamados filmes de Billy Wilder, Crepúsculo dos Deuses
trata da perecibilidade das carreiras no show business. Norma que antes era a menina dos olhos de certos produtores, foi descartada e esquecida. Enfiada no seu casarão escuro na avenida Sunset Boulevard, símbolo do glamour e do status em Hollywood, ela passou anos amargurada, torrando sua fortuna e jogando baralho com amigos atores que também foram esquecidos, usando maquiagem e suas melhores roupas. O esquecimento, porém, não a tornou mais humilde e simples. Muito menos a sede de câmeras e holofotes sobre si.
Seu ego super-inflado (em parte devido às mentiras de seu criado) faz com que diga "eu sou grande, os filmes é que ficaram pequenos para mim", assista seus próprios filmes com frequência e aja com extrema arrogância. Swanson é incrível no papel. Talvez por ser mais ou menos biográfico. A atriz teve seu auge no cinema mudo e andava esquecida, quase aposentada. Retornou no que foi o principal papel de sua carreira.
Já Joe também quer o sucesso, sobretudo dinheiro. Nisso vai vender a alma em detrimento de seus verdadeiros sentimentos, que nutre pela namorada de seu amigo, uma aspirante a roteirista.
Entre estes e outros personagens ambíguos, se molda esta grande crítica ao sistema.

É conhecido o poder da fama em cegar. É conhecido que a busca desenfreada pela fama na maioria das vezes, além de não dar em nada, corrompe as pessoas. Wilder conheceu bem tudo isso, era seu ambiente de trabalho. Crepúsculo dos Deuses é do período do auge de Hollywood, seu período mais glamouroso, rico e esnobe. Não que tenha melhorado. Por isso ele reproduz bem todo o cinismo, o brio e a paranóia. Na parte visual, não faltam belas sequências e incríveis cenários e figurinos.

Por fim Wilder nos presenteia com um final cheio de ironia, de tirar o fôlego.

domingo, 18 de janeiro de 2015

Razões para a guerra (Why we fight) - 2005; a política belicista americana

Razões para a guerra (Why we fight), lançado em 2005.
Um filme de Eugene Jarecki.
Vencedor do prêmio do júri em Sundance, este documentário denuncia a política belicista norte-americana, que existe por motivos bem menos nobres do que a mídia e o governo tentam fazer parecer.  Em especial aborda os motivos que levaram os EUA em guerra contra o Iraque, muito a ver com petróleo, nada a ver com o 11 de setembro como se fez pensar.

O filme confirma o que os livros de história nos tem ensinado: nos últimos 70 anos, não houve um conflito, um golpe de estado, uma decisão importante envolvendo acordo de paz ou declaração de guerra, que não tenha tido participação direta ou indireta dos Estados Unidos. Inclusive no Brasil, onde o maior exemplo foi a ajuda ianque para colocar os militares no poder durante os anos 60.

O imperialismo econômico adotado pelo país desde o final da II Guerra tem derrubado ou levado ao poder vários governantes ao redor do mundo. E para isso há maciço uso de força militar, sob a alegação de estar o país a lutar pela liberdade. Abobrinha que vem sendo repetida como se fosse verdade em tantas décadas.

Mas a culpa mesmo não é da população alienada e escandalosamente patriótica, é de um pequeno grupo de políticos porcos como George W. Bush, altos militares e sobretudo de mega-empresários que lucram com a guerra; indústrias de armas, munição, vestiário militar e as empresas terceirizadas que cozinham e lavam para a maior força militar do planeta. Que o ex-presidente Eisenhower já chamava de complexo-militar-industrial e já alertava sobre seus perigos.

Como já sabemos, quem manda e desmanda no mundo não são os políticos, são os bancos e as grandes corporações Saramago já nos alertava sobre a fragilidade (ou porque não dizer falsidade) da democracia contemporânea:

"O eleitor poderá tirar do poder um governo que não lhe agrade e pôr outro no seu lugar, mas o seu voto não teve, não tem, nem nunca terá qualquer efeito visível sobre a única e real força que governa o mundo, e portanto o seu país e a sua pessoa: refiro-me, obviamente, ao poder econômico, em particular à parte dele, sempre em aumento, gerida pelas empresas multinacionais de acordo com estratégias de domínio que nada têm que ver com aquele bem comum a que, por definição, a democracia aspira. Todos sabemos que é assim, e contudo, por uma espécie de automatismo verbal e mental que não nos deixa ver a nudez crua dos factos, continuamos a falar de democracia como se se tratasse de algo vivo e atuante, quando dela pouco mais nos resta que um conjunto de formas ritualizadas, os inócuos passes e os gestos de uma espécie de missa laica. E não nos apercebemos, como se para isso não bastasse ter olhos, de que os nossos governos, esses que para o bem ou para o mal elegemos e de que somos portanto os primeiros responsáveis, se vão tornando cada vez mais em meros "comissários políticos" do poder econômico, com a objectiva missão de produzirem as leis que a esse poder convierem, para depois, envolvidas no açúcares da publicidade oficial e particular interessada, serem introduzidas no mercado social sem suscitar demasiados protestos, salvo os certas conhecidas minorias eternamente descontentes... "

Assista a este corajoso e provocativo documentário, que não hesita em dar nome aos bois e apontar claramente alguns dos envolvidos na bilionárias maracutaia da guerra.

Se houver  qualquer problema com o vídeo, por favor nos avise nos comentários.

domingo, 11 de janeiro de 2015

Boyhood - Da Infância à Juventude (Boyhood) - 2014; filmagem de uma vida

Boyhood - Da Infância à Juventude (Boyhood), lançado em 2014.
Um filme de Richard Linklater.
Linklater, um dos melhores e mais sensíveis cineastas das últimas duas décadas, diz que Boyhood será o último filme de sua carreira. Supondo que ele cumpra a promessa, o diretor da trilogia Antes do Amanhecer encerrou com chave de ouro sua vida profissional. Boyhood fez funcionar uma ideia que muitos outros não conseguiram e que até Kubrick cogitou colocar em prática: rodar um filme acompanhando o envelhecimento dos atores. Filmado durante 11 anos, com o mesmo elenco, o filme acompanha o processo de crescimento/amadurecimento de duas crianças - em especial um garoto - filhas de um casal divorciado.

Mason Jr. (Ellar Coltrane) é filho de Olivia (Patricia Arquete) e Mason (Ethan Hawke) - divorciados - e irmão caçula de Samantha (Lorelei Linklater). Ele vive com a mãe e a irmã e cresce entre constantes mudanças de cidade, vendo o pai apenas eventualmente. De seus 6 aos 18 anos, acompanhamos os momentos marcantes de sua vida, que se funde aos momentos da vida de seus familiares e com o contexto socio-econômico-cultural.

Boyhood não tem uma premissa original. Inúmeros filmes tratam do processo de crescimento, amadurecimento ou envelhecimento humano (alguns de forma antinatural; caso de O Curioso Caso de Benjamin Button); vários outros fazem um estudo da mudança que uma família sofre ao longo dos anos. A duração da trama varia, de alguns meses, como no ótimo Educação, a várias décadas, como no excelente Laços de Ternura. A diferença, sobretudo com relação a este último, é que Boyhood acompanhou o processo natural de crescimento de um ator. Durante 11 anos, sem mudar ninguém no elenco. Também esta ideia já foi colocada em prática algumas outras vezes, poucos durante tanto tempo, menos ainda que deram certo. Boyhood brilha.
Brilha na parte técnica e visual (não é novidade que Linklater sabe criar incríveis planos), na trilha sonora belíssima (as músicas ajudam a identificar em que ano ocorre cada trecho de filme) e sobretudo em seu significado: é emocionante ver Mason crescer, ver o adulto que se torna.

Apesar da produção desafiante, Boyhood não tenta ser imponente e grandioso. Tanto que custou uma merreca. Acredito que Linklater fez este filme sem pretensão de impressionar; ele queria filmar a vida humana, tão banalmente como seria uma vida real, sem grandes dramas cinematográficos, apenas os acontecimentos rotineiros pelos quais todos passamos: conflito com pais, mudança de círculos de amigos, despertar sexual, primeiro contato com álcool e cigarro. Em entrevistas ele dizsse que o filmou assim porque não poderia imaginar seu filme de outra forma, não seria um filme verdadeiro. O cineasta sabe do poder do passar o tempo, e já explorara isso em sua trilogia romântica, com filmes feitos com nove anos de diferença, e também em outras obras suas.
O tempo flui na obra sem qualquer indicação verbal. É nas variações de feições, cortes de cabelo e peso do elenco que vemos os anos passarem. É assustador como nós mudamos fisicamente durante a adolescência. Eventos como a invasão do iraque, lançamento de livros do Harry Potter, a eleição de Obama e a crise de 2008 ajudam a situar o filme no tempo.

Também mudamos por dentro, emocional e psicologicamente falando. O garotinho doce e ingênuo se torna num adolescente rebelde que pinta as unhas e bebe escondido e depois num jovem adulto maduro e inteligente. A menina que imitava o cinismo de pseudo-celebridades se torna adulta e universitária depois de sua fase adolescente. A mãe amargurada com o ex sofre nas mãos de um homem abusivo, se torna mais tolerante, racional e forte. O jovem pai que vive como um adolescente numa república, eventualmente quer formar outra família. Contudo continuamos a ser a mesma pessoa que éramos.
Saramago, em seu primoroso Ensaio sobre a cegueira (1995) escreveu: 

"Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos".

Linklater, em seu primoroso Boyhood nos diz que essa coisa sem nome se modifica com o tempo, mas não deixa de existir nem perde sua essência principal.

domingo, 4 de janeiro de 2015

Hoje eu quero voltar sozinho - 2014; mal interpretado e superestimado

Hoje eu quero voltar sozinho (Hoje eu quero voltar sozinho), lançado em 2014.
Um filme de Daniel Ribeiro.
Escolhido para representar o Brasil no Oscar 2015 - não foi pré-selecionado, Hoje eu quero voltar sozinho faz referência ao curta-metragem Eu não quero voltar sozinho, lançado quatro anos antes. Daniel Ribeiro, diretor por trás dos dois filmes, usando o mesmo elenco base, aqui reconta, com algumas modificações, a trama do premiado curta: um adolescente cego que se apaixona por um novo colega da escola.

Leonardo, deficiente visual, estuda numa escola comum, onde acompanha as aulas munido de uma máquina de escrever em braile. Sua melhor amiga, Giovanna, nutre por ele uma dessas paixões adolescentes, não correspondida. A chegada de um novo rapaz na sua turma, Gabriel, que se torna amigo dele e de Giovanna, acaba por fazê-lo sentir sentimentos inéditos, enquanto em casa ele enfrenta seus pais em busca de mais indepedência e sonha com um intercâmbio.

O mal que caiu sobre este filme (premiado e bem recebido em diversos festivais no país e no exterior) foi ter sido rotulado como um "romance homossexual" - assim tem conquistado a curiosidade do público - quando na verdade de romance há muito pouco; é sobretudo um drama, ainda que voltado para adolescentes e, por isso, leve e meio superficial. O filme de Daniel Ribeiro tem uma premissa muito mais próxima do ótimo Educação: também é um conto de amadurecimento e um estudo de afetos. Aliás isso é muito bem resumido no título; mais que qualquer outra coisa o protagonista quer é independência e autonomia para seguir sua vida, mesmo que em parte limitada pela sua deficiência.

Assim como o curta que lhe deu origem, o filme tem um tom leve, gracioso, igênuo. É inegável que é mais voltado para o público adolescente, podendo soar insoso para um público mais maduro. Há uma certa ausência de conflitos, falta intensidade.
A maior qualidade do curta, porém, se repete aqui: Ribeiro humaniza seu protagonista. Se por um lado o bullying que Leonardo sofre por ser cego e depois por aparentemente ser gay parece brincadeira de bebês se comparado a todas as desgraças que incontáveis crianças e adolescentes reais sofrem no dia a dia, por exemplo, ao menos isso contribui para não vitimizar em excesso o garoto nem levantar bandeiras ativistas. Esse é o maior mérito pois faz de Leonardo um simples adolescente, em vez de um "jovem gay cego". Não é um filme-denúncia, é uma delicada narrativa da vida de uma pessoa, sua procura de independência, indentidade própria e suas relações com os pais, amigos e amores.

Os mesmos problemas do curta, também são repetidos. O roteiro tropeça feio várias vezes. Há personagens que não passam de adolescentes estereotipados; muitos dos dramas são universais e característicos dessa fase da vida; outros, porém, soam forçados. Isso prejudica o elenco pois por mais que os atores se esforcem, ainda parecem fracos. Os pais do protagonista são anormalmente superprotetores, parecem terem medo de que o filho engasgue com água. No colégio, toda a turma parece já muito velha para acreditarmos em cenas de primeiro porre e de primeiro beijo. Primeiro baseado ou primeira carreira de pó (um abraço para nosso melhor senador mineiro) seria mais crível. Juro que não sei como o valentão do filme usa um cabelo estilo Justin Bieber. Seria mais crível ser ele o judiado. O roteiro também possui diálogos péssimos, com conversas infantilizadas para adolescentes quase a irem para a faculdade. Como assim piadinha sobre plutão não ser mais um planeta?

Enfim, Hoje eu quero voltar sozinho tem seu valor artístico (há cenas visualmente interessantes ou bem construídas, a fotografia é em tons quentes) e social, e é sim um dos melhores da safra nacional de 2014, só não é tudo o que dizem ser. Veja sem grandes expectativas que será mais gratificante.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Uma mulher sob influência (A Woman Under the Influence) - 1974; a mãe que enlouqueceu

Uma mulher sob influência (A Woman Under the Influence), lançado em 1974.
Um filme de John Cassavetes.
Cassavetes é um dos grandes e influentes nomes do cinema norte-americano. Considerado o pai do cinema independente, seus filmes eram produzidos de forma autônoma e com orçamento bastante reduzido, mais até do que hoje se chama de cinema independente e que caiu no gosto do público a partir do início dos anos 90. Mesmo antes dessa popularização, Cassavetes já tinha seus admiradores. A Woman Under the Influence é um de seus mais notórios filmes.

Mabel (Gena Rowlands) é uma dona de casa neurótica que tem parecido mentalmente desequilibrada para o marido Nick (Peter Falk), um construtor civil, alguns de seus colegas e até para os filhos pequenos. Numa noite em que Nick não volta para a casa, após um imprevisto no trabalho, Mabel, que se preparara para terem uma noite romântica, tem um surto nervoso e leva um homem estranho para sua casa. No dia seguinte Nick leva os colegas para comerem em sua casa e a mulher se comporta de modo que constrange o marido, cada vez mais ciente de que a esposa precisa de cuidados psiquiátricos.

Uma mulher sob influência é impactante. Nele entramos sem ser convidados no universo instável de uma família de classe média baixa, e ficamos lá a observar tudo o que ocorre entre aquelas paredes, ainda que aquele não seja nosso lugar. Há uma tensão muito grande ao longo de todo o filme, sempre há um clima desconfortável, que prenuncia que maiores dramas estão por vir, sejam de natureza psicológica sejam físicos e violentos.


Mabel não é pura e simplesmente louca, ela também é afetada por todo o ambiente no qual está inserida. Além da predisposição patológica, ela é afetada pelas pessoas que não acreditam na sua capacidade de ser mãe, pelas constantes visitas dos colegas do marido, que não são da família nem lhe são íntimos mas que acabam por saber muitos dos assuntos internos de sua família, pelos parentes que aparecem em hora imprópria apenas para observar, pela pouca atenção que recebe do esposo que ela tanto ama. Gena Rowlands é intensa. Mabel é imprevisível, paranoica, bipolar; oscila entre o total desequilíbrio e um grande afeto e atenção com o marido e com os filhos; e Rownlads, que era esposa de Cassavetes, caminha bem entre esses extremos, cheia de exageros sentimentais e tiques nervosos, risos, choro e gritos. E o diretor com planos-sequências e câmera na mão explora ainda mais a intensidade da personagem. Já Nick, vivido por Peter Falk, é o típico pai de família dos anos 70: viril, dominador e ciumento. Entre gritos e safanões ele tenta acalmar a mulher, lhe dar algum juízo, receber atenção dos filhos. Quando eventualmente precisa cuidar das crianças sozinho, mostra-se tão ou mais disfuncional e mal-sucedido que a esposa. 

Aqui os personagens moldam a história, não o contrário. O realismo é tanto que chega a parecer improvisação por parte do elenco, embora também o texto seja de Cassavetes. Uma família não é nada mais que um punhado de loucos com laços sanguíneos (ou não). Essa do filme apenas é pior em mascarar a loucura aos olhos dos outros.