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sábado, 28 de fevereiro de 2015

O Talentoso Ripley (The Talented Mr. Ripley) - 1999; crescer, custe o que custar

O Talentoso Ripley (The Talented Mr. Ripley), lançado em 1999.
Um filme de Anthony Minghella.
O Minghella de O paciente inglês adapta aqui os livros da americana Patricia Highsmith, sobre um homem que finge identidades e comete crimes. Com um elenco com nomes poderosos como Matt Damon, Philip Seymour Hoffman, Jude Law, Cate Blanchett e a superestimada Gwyneth Paltrow o diretor nos conduz para uma trama dinâmica e vibrante capaz de mostrar o que a ambição excessiva leva pessoas a fazerem para se darem bem.

Tom Ripley (Damon) é um pianista pobretão da Nova York dos anos 50. Um dia um milionário, vendo Tom com um paletó que ele pegara emprestado, pergunta a Tom se ele estudou em Princeton; ele mente que sim. A partir disso ele é contratado pelo homem - por uma boa quantia em dinheiro -para viajar para a Itália atrás de seu filho Dickie (Law) e convencê-lo a voltar para os EUA e ajudar nos negócios. Então ele viaja. No caminho conhece Meredith (Blanchett) e se apresenta como sendo o filho do milionário. Finalmente encontra e se aproxima de Dikie e de sua namorada Marge (Paltrow); mas em vez de convencer o rapaz a voltar, admira e inveja sua vida rica e boêmia, e apaixona pelo rapaz e passa a acompanhá-lo nas noitadas e recreações.

Sempre visto como um galã, Matt Damon aparece aqui numa aparência relativamente frágil, meio dentro do estereótipo do homem mal sucedido: óculos grandes, cabelo lambido, cara de menino vigem. Mas não faltarão as mentiras, intrigas e crimes na vida de Tom, que apesar de tudo é uma pessoa ambiciosa e inteligente.
Ele tem um grande talento para imitações, é capaz de falsificar assinaturas, não tem pudores em fingir ser quem não é para conquistar as pessoas ao seu redor e sabe pensar rápido. Ripley é muito parecido com o Frank que DiCaprio imortalizou em Prenda-me se for capaz, ambicioso e esperto; só que com cara de bobo. Damon se sai muito bem nesse papel cheio de ambiguidades. Aliás deve-se observar que Ripley é bem humanizado, não é um vilão maniqueista.
Só Marge, num segundo momento, é que não se deixa levar totalmente pelas mentiras de Tom e suspeita que há algo de errado com ele. Gwyneth Paltrow está razoável, o que já é surpreendente sendo ruim atriz como é - ninguém sabe porque ela ganhou um Oscar, dizem as más línguas ter sido a base do lobby.

Já o Dickie de Jude Law é o oposto de Tom: mulherengo, espontâneo, atlético e rico. Carinhoso e frio, as pessoas apenas passam por sua vida. Mas a atração que Tom sente por ele, mistura de inveja, admiração e desejo sexual, não é recíproca e leva Ripley a fazer o que não devia. O ator é intenso e empresta vitalidade, arrogância e carisma para seu personagem. O papel lhe rendeu uma indicação ao Oscar. Cate Blanchett e Philip Seymor Hoffman, como sempre, também estão ótimos, embora os seus papeis sejam de coadjuvantes.

O filme é uma mistura de policial com suspense (embora o estilo de Minghella, que é o de contar histórias de forma direta e clara comprometa um pouco desse suspense, dessa imprevisibilidade). A fotografia é agradável, de tom bastante natural, e muitas das vezes revela belos cenários de Nova York, Roma, Prócida (Mongibello) e outras partes da Itália.

Uma coisa é certa: The Talented Mr. Ripley é um filme muito interessante e é divertido.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Jacquot de Nantes (idem) - 1991; amor de Varda, infância de Demy

Jacquot de Nantes (Jacquot de Nantes), lançado em 1991.
Um filme de Angès Varda.
Há muito tempo que estava na expectativa de ver este filme. Desde que vi o excelente documentário Janela da Alma, onde Agnès Varda dá entrevista falando sobre o cinema, o poder da visão e sensibilidade, e explica o porquê de ter feito este filme aqui na época que fez, nos últimos dias de vida de seu marido.
Mas deu muito trabalho  o encontrar, ainda mais com legenda em português. E não à toa, Jacquot nunca foi lançado comercialmente no Brasil nem em Portugal, tanto que não há título lusófono para a obra. Com muito esforço consegui. E infelizmente fui com muita sede ao pote. Jacquot de Nantes tem sua beleza, mas é bem menos do que aparentava ser.

O filme narra a infância do cineasta Jacques Demy, que foi casado com Varda por trinta anos, até ele morrer de AIDS em 1990. O pequeno Jacquot desde muito cedo tinha enorme interesse pelas artes, e ainda criança começou a fazer pequenos filmes de animação em stop-motion. Esse conto de descoberta de vocação é intercalado com filmagens de Demy feitas por Varda meses antes de sua morte.

O trecho que eu vira em Janela da Alma que tanto me despertou interesse foi uma sequência onde a câmera de Varda passeia vagarosamente pela pele de seu esposo algum tempo antes de sua morte. Em macro é possível ver os poros, as manchas, os pelos. A textura de Demy, como a própria cineasta falou na entrevista para o documentário. E também segundo ela própria, fez isso com um olhar carregado de um sentimento forte de amor e de medo de perder o marido, como de fato aconteceu seis meses depois de terminar as filmagens de Jacquot
Varda realmente amou muito seu companheiro.

O roteiro foi escrito por ela e por Demy, que colocou suas memórias no texto. A maior parte do filme é em preto e branco, mas há diversas cenas coloridas. Para fortalecer a mensagem da importância das artes na vida do menina, as cores sempre aparecem em momentos onde há cantores, atores, bonecos ou animação. Era a arte que coloria o mundo do garoto, que vivia na França da Segunda Guerra.

O filme é sobre um menino que desde cedo sabia o que queria, e teve a sorte de conseguir chegar onde queria. Porém não é dos mais interessantes nem bonitos. Agnès, a mais importante mulher da Nouvelle Vague, tem filmes muito melhores. 
No fim o maior êxito de Jacquot é o amor que a diretora colocou nele, ela que tanto amou o protagonista. Tirássemos esse sentimento tão bonito, muito pouco sobraria do filme.
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Para quem quiser ver Jacquot de Nantes sem sofrer como eu para encontrá-lo, eis o link do torrent. Baixe sem pudores, você não encontrará o filme para comprar ou alugar aqui no país.

sábado, 21 de fevereiro de 2015

21 gramas (21 grams) - 2003; morte e remorso

21 gramas (21 grams), lançado em 2003.
Um filme de Alejandro González Iñárritu.
O mexicano Iñarritu tem um gosto pelas narrativas não-lineares e ou tramas paralelas que convergem para um ponto em comum. Seus três primeiros filmes, Amores Brutos, 21 gramas e Babel seguem o estilo e inclusive são considerados uma trilogia "da morte" (ou "do caos"). E este não perde em qualidade e intensidade para os outros dois (embora meu predileto do diretor ainda seja o primeiro).

Jack Jordan (Benicio del Toro) é ex-presidiário e anda muito religioso. Tem uma família e luta contra o alcoolismo. Paul Rivers (Sean Penn) está morrendo e precisa de um coração novo. Mesmo assim sua esposa Mary (Charlotte Gainsbourg) quer um filho com ele. Cristina Peck (Naomi Watts) tenta se livrar das drogas mas tem o marido e as duas filhas mortos atropelados. 

Iñárritu conduz seu filme com grande sensibilidade. E com crueza. Toda a desgraça e melancolia do longa não visa sentimentalismo e melodrama. Mas sim criam uma atmosfera pesada de angústia e sofrimento. O longa é um estudo sobre remorso, perdão e auto-perdão, O poster acima indaga: quanto pesa a culpa? E de fato não é muito leve. Aceitar os erros e superar o passado não é tarefa fácil. 

Além disso a película é também um estudo sobre como lidamos com a morte, sobre o sofrimento dos que ficam. O tom existencialista desta obra se revela já no título, conceitual. 21 gramas é o suposto peso da vida humana, ou mais explicitamente, da alma. Logo ao morrermos perdemos essa massa, segundo um experimento sem reputação realizado há mais de um século por um médico americano. 

Em um tom realista, cru, com câmera na mão e fotografia ruidosa, o cineasta lança seu olhar intrusivo sobre seus personagens autodestrutivos. A narrativa fragmentada e que pula no tempo o tempo todo deixa o filme um pouco difícil de acompanhar, sobretudo até compreendermos o estilo. Mas a montagem é muito bem feita e logo o desconforto desaparece e dá lugar a envolvimento.

O trio Benicio del Toro (a princípio pensei que era o Brad Pitt, juro, mas este atuou foi em Babel), Sean Penn e Naomi Watts surpreende. O primeiro não deixa o personagem ambíguo cair no estereótipo ou na antipatia do público. O segundo faz realistas as ações pouco críveis de seu personagem amargurado (mas é dispensável o monólogo pseudo-filosófico e melodramático em voice-over). E a belíssima Naomi Watts, a que mais sofre, oscila muito bem entre a raiva e a desilusão.

Não é à toa que Iñárritu tenha tantos fãs. Vi todos seus longas, com exceção de Birdman (post em breve) - que é um dos favoritos ao Oscar de amanhã  - e todos são muito bons.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Preto e Branco em Cores (Noirs et blancs en couleur) - 1976; protesto contra a guerra

Preto e Branco em Cores (Noirs et blancs en couleur), lançado em 1976.
Um filme de Jean-Jacques Annaud.
Apesar de não ser dos mais bem feitos e mais memoráveis filmes anti-belicosos, esta obra costa-marfinense vencedora do Oscar de melhor filme estrangeiro tem seu valor. Nos levando para o continente africano da Primeira Guerra mundial, Annaud ridiculariza o colonialismo, a segregação racial e sobretudo a estupidez que é a guerra.

Num vilarejo duma colônia francesa no oeste africano, onde colonos franceses e alemães convivem em paz, chega a notícia, como meses de atraso, do início da Primeira Guerra, onde os dois países são adversários declarados. Num acesso de patriotismo, os colonos e missionários franceses armam um ataque contra o assentamento alemão, onde os negros nativos, claro, é que levam chumbo.

Preto e Branco em cores é cheio de sátiras e de ironias. Além de personagens brancos estúpidos, meio estereotipados, - tirando nosso protagonista Hubert, o geógrafo inteligente e lúcido que logo deixará de ser - e alienados com um conceito vago e superestimado como o patriotismo (leitura recomendada: Prisão Patriotismo), Annaud constrói cenas absurdas, cômicas, para mostrar a estupidez de tudo aquilo: guerra, colonialismo, divisão racial, catequese. E não faltam também as falas cheias de graça que aprofundam estas considerações.

Entre homens medíocres gritando "Vive la France" e batendo o pé de raiva ao ver que os nativos, naturalmente, estão cagando e andando para a França; 
missionários preguiçosos se equilibrando sobre uma bicicleta por meio de divina interferência (do "bom e verdadeiro" deus cristão, claro está, não dos "imaginários" deuses tribais) ou elogiando uma canção que não entendem e que os ridicularizam; 
bom cidadão, tão ciente de suas obrigações enquanto filho da pátria, escondendo mantimentos; 
moça branca, que antes aparecera quase nua na janela às vistas dos serviçais, se remoendo de dor de cotovelo ao ver uma negra se casar com o homem branco mais poderoso do vilarejo;
e a aristocracia indo a um piquenique em hora imprópria;
o filme é um show de humor negro a criticar o imperialismo europeu. É quase um MASH, que foi lançado apenas seis anos antes.

Talvez nunca se tenha, num filme, deixado tão claro o desprezo dos colonos sobre os colonizados. À França e a todo o resto de países imperialistas que na época ainda tinham posses no continente africano, o que lhes importava era os bens que pudessem tirar. Estavam se lixando para os neguinhos e sua "falta de cultura e civilidade". Tanto é que no final brilhante do filme, vemos como tudo aquilo não passava mesmo de trocas de terra. 

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

A Teta Assustada (La teta assustada) - 2009; as cores e a pobreza dos subúrbios de Lima

A Teta Assustada (La teta assustada), lançado em 2009.
Um filme de Claudia Llosa.
Vencedora do Urso de Ouro, esta película de Claudia Llosa - sobrinha do Nobel de Literatura - é belíssima. No estilo cinema-contemplação, a cineasta constrói belíssimas imagens que contam uma história baseada no folclore peruano, no sofrimento da guerra e na subjugação das mulheres.

Fausta é filha de uma mulher que foi estuprada durante os conflitos guerrilheiros nos anos 80. Segundo tradições de povo, ela sofre de "Teta assustada", medo passado de mãe para filha através do leite materno, já que ela tem medo de homens que não sejam da família e é calada. Ela vive com uma batata inserida na vagina, na esperança de isso a proteger de possíveis estupros. Quando sua mãe morre, ela precisa enfrentar o mundo e arrumar um emprego para pagar as despesas funerárias, que incluem transportar o corpo para o vilarejo natal de sua mãe.

Tirando Luz Silenciosa, que é mexicano, ainda não tinha visto um filme latino americano como este. O que gosto de chamar de cinema-contemplativo - filmes lentos, de poucas falas e tramas banais, mas de belíssimas imagens e cheios de poesia ou de genuínos dramas humanos - é mais presente na Europa e Japão. Mas não poderia querer mais do que vi neste de Llosa.

Adentrando o mundo indígena e pobre dos arredores de Lima, a cineasta retrata de maneira belíssimas os costumes, as cores, as alegrias e as desgraças de um povo. Retrata o modo com o qual lidam com a morte. E traz à tona um passado trágico e sangrento da história peruana, desconhecida por boa parte do mundo. Através de planos-sequências, tomadas lentas com câmera estática posicionada a distância ou em close, exploração de detalhes do cenário, entre outras técnicas, a cineasta dita o ritmo e a estética do filme.

Além disso, no rosto sofrido e nos olhos expressivos de Magaly Solier, a atriz que interpreta Fausta, se vê o velho e eterno drama feminino que é o medo da violência sexual. Ela cresceu ouvindo os lamentos em forma de canto de sua mãe. O filme começa com uma dessas narrativas cantaroladas que descrevem o trauma e o horror vivenciadas por ela nas mãos dos terroristas.
Mais tarde esse costume de cantarolar o cotidiano, aprendido por Fausta, vai despertar a cobiça de um mundo onde também as mulheres se fazem mal.

Algo importante aconteceu no cinema peruano com este filme. O Urso de Ouro está aí para provar.

sábado, 7 de fevereiro de 2015

Armadilha do Destino (Cul-de-sac) - 1966; ironias da vida

Armadilha do Destino (Cul-de-sac), lançado em 1966.
Um filme de Roman Polanski.
Polanski, polêmicas à parte, é um diretor muito respeitado. Chinatown e O Pianista são, talvez, suas obras mais famosas. É no estilo desse primeiro, o suspense, que o cineasta mais se consolidou embora tenha passado por vários gêneros. Armadilha do Destino é um suspense do início da internacionalização da carreira do diretor (que só poucos anos antes ganhara os holofotes), que vencedor do Urso de Ouro.
George (Donald Pleasence), vive num castelo medieval no meio de uma ilhota na costa britânica. Ele é divorciado e mora com a belíssima Teresa (Françoise Dorléac), que faz dele gato e sapato, além de o trair com um vizinho jovem e atlético. Numa tarde, um gangster ferido, Dikie (Lionel Stander) , regressando de uma operação mal sucedida, entra na propriedade dos dois carregando o seu já quase morto companheiro. Ele faz dos dois reféns, enquanto espera indefinidamente pelo resgate de seu chefe.
Cul-de-Sac é um poço de humor negro e sarcasmo. Polanski tira sarro de seus personagens e de toda a desgraça que os rodeira (que representam, por sua vez, toda uma sociedade e um contexto social).
Entre violência, insanidade e álcool, nossos três protagonistas trilham um caminho de autodestruição. E não há saída para eles (literal e figurativamente falando), assim como sentencia o título original, que significa rua/beco sem saída, e algumas cenas e falas que são puro simbolismo dessa situação. O isolamento que prometia segurança se torna um prisão e a ameaça começa a parecer divertida. Em situações absurdas, cômicas, os papeis se invertem, as máscaras caem.
Do orgulho masculino ferido de George, à desilusão de Dikie ap se descobrir irrelevante para o patrão, passando pela frustração sexual da personagem de Dorléac (irmã parecidíssima de Catherine Deneuve, e que morreu pouco após terminar o filme), Cul-de-Sac é corrosivo e impiedoso. As pessoas, por sua vez, aparentemente não têm conserto.
Além do ar cômico, o filme também é um suspense (inclusive tem vários elementos característicos do noir), e consegue manter um ar de apreensão e incerteza. A trilha sonora é interessante, também tem um ar de deboche.