Um filme de Alejandro González Iñárritu.
Conhecido pela sua "Trilogia da Morte" (ou "Trilogia do Caos"), Iñárritu, é um diretor de algumas peculiaridades. Este Birdman que lhe rendeu o Oscar de melhor diretor e melhor filme fez o que poucos antes ousaram sequer tentar fazer e praticamente apenas Hitchcock teve sucesso: um longa inteiro que é quase um único plano sequência. Não foi filmado de fato numa única tomada, mas tem mesmo lindos e longos planos-sequência que no processo de montagem foram perfeitamente sincronizados.
Riggan Thomson (Michael Keaton) é um ator que no passado fez muito sucesso como o protagonista de um filme de super-herói mas que atualmente foi esquecido. Numa tentativa de retomar a fama mas ao mesmo tempo fugir da imagem coletiva que o vê apenas como um herói de cinema, ele decide adaptar, dirigir e estrelar uma peça na Broadway. Além dos problemas com a ex-esposa e filha, ainda precisa lidar com o empresário e atores problemáticos durante o período de estreia, quando uma voz em sua mente, do personagem Birdman que interpretara, insiste em tirá-lo do sério.
A metalinguagem vai além de um filme sobre atores de cinema e teatro. Keaton, assim como seu personagem, é um homem que no passado fez sucesso como um super-herói (no caso, Batman) e que meio esquecido quis fazer coisas mais prestigiadas para se livrar do estigma que esse tipo de personagem (super-herói) costuma deixar - tanto que não é raro atores recusarem papeis milionários por esse motivo. Essa ironia é apenas uma a mais neste filme de ironias e humor negro.
Assim como o personagem de Keaton muda a direção de sua carreira - do cinema pipoca para o "cult" - Iñárritu também tenta se reinventar. Dos dramas fúnebres para a comédia que é Birdman. Não é um filme de grandes risadas, no entanto. O humor que aqui habita é satírico: alfineta a indústria do entretenimento, com seus artistas com inflados egos, gente louca por dinheiro e críticos arrogantes. Todos a tentarem parecer admiráveis pelas suas obras (me lembrei da conhecida entrevista de Jô Soares à artesã Eila Ampula, que diz fazer suas obras apenas por dinheiro e quando questionada sobre uma visão ou mensagem artística disse "besteira", arrancando risada da plateia).
Embora por vezes se aproximem de estereótipos, os personagens são bem construídos e realisticamente ambíguos, cada um com seus problemas. O elenco selecionado a dedo é primordial nisso e praticamente só há boas interpretações, mesmo de personagens secundários. Nenhum, porém, se destaca mais que o protagonista de Keaton. Thomson é um homem à beira da loucura, de tão engrandecida auto-imagem acha ser capaz de levitar e quebrar coisas com a mente, mas ao mesmo tempo se agonia de ansiedade e insegurança e ciúmes diante da loucura dos bastidores de sua peça, temperada com a presença da ex-esposa e da filha drogada como assistentes.
Atração à parte, a fotografia é feita por uma câmera que anda pelos corredores escuros do teatro- quase sempre em ritmo frenético - a espiar a vida das pessoas. Parece até que estamos a ver pelos olhos de uma dessas assistentes loucas e indiscretas. Os cortes foram trabalhados na montagem de modo a parecer que o filme quase inteiro é uma sequência só. Propositalmente há, às vezes, um certo ar de precariedade na fotografia que as vezes é sub-iluminada, noutras vezes adquire uma textura granulada como se a câmera fosse vagabunda e é um pouco dessaturada (redução das cores). Com a trilha meio minimalista - praticamente só uma bateria - mas ainda assim frenética, a sensação de agitação e certo caos é inevitável.
Birdman tem sido apontado como um filme que as pessoas odeiam ou amam. Este que vos escreve se encaixa no segundo grupo.