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sábado, 31 de outubro de 2015

Fabricando Tom Zé - 2007; um pouco do incompreendido

Fabricando Tom Zé (Fabricando Tom Zé), lançado em 2007.
Um documentário de Décio Matos Jr..
Até uns dois ou três anos atrás, este que vos escreve não sabia quem era Tom Zé. Talvez eu tivesse lido ou ouvido o nome em algum lugar, mas sequer sabia do que se tratava. Foi quando descobri a obra-prima irretocável deste homem que é, talvez, o mais experimental músico brasileiro: "Estudando o Samba". Tal disco foi o mesmo que conquistou o músico David Byrne nos anos 90, episódio que foi o divisor de águas na carreira de Tom Zé.
O documentário de Décio Matos Jr. acompanha uma turnê do artista pela Europa, feita em 2005. Na época o músico estava com 70 anos. Além disso ouve o artista, sua musa/porto-seguro/produtora/esposa Neusa Martins e umas tantas outras pessoas ligadas ao músico, incluindo Gilberto Gil e Caetano, com quem Tom Zé tinha certo ressentimento.
O baiano de Irará foi um dos precursores do Tropicalismo e de longe o mais inventivo e experimental do movimento. No entanto, diferente de Gil, Caetano, Gal e Bethânia, Tom Zé foi logo esquecido pelo público e amargou duas décadas de ostracismo, até ter seu principal disco, lançado ainda nos anos 70, ouvido durante a década de 90 pelo guitarrista da Talking Heads quando em viagem ao Brasil. A partir daí Tom Zé foi redescoberto por parte do público brasileiro e ganhou grande notoriedade no exterior.
Essa turnê, filmada em Itália, Suíça e França, não só comprova o sucesso fora do país como serve de base para o documentário. A intimidade do músico é colocada nas telas e mostra um homem bem humorado, perfeccionista e ousadíssimo. Ovacionado num lugar, vaiado em outro. Assim foi recebido o músico que faz shows de capacete de construção, "toca" um esmeril ao vivo e sai nos tapas com um técnico de som que tenta humilhá-lo, num momento de profunda raiva.
Mesmo assim esbanja simpatia, humildade, tenta agradar o público cantando uns trechinhos nos idiomas nativos (mesmo não sabendo nada) e mostra seu amor pela profissão.
Fabricando Tom Zé é obrigatório para compreender um pouco mais desse que é um de nossas maiores joias musicais.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Viridiana (idem) - 1961; a noviça verdadeiramente rebelde

Viridiana (Viridiana), lançado em 1961.
Um filme de Luis Buñuel.

Na extensa obra do controverso diretor surrealista espanhol, Viridiana é um dos seus filmes mais famosos, sobretudo pela Palma de Ouro que acabou por receber. Banido da Espanha imediatamente (onde só foi exibido em 1977) e condenado pelo papa, o filme narra a história de uma noviça que se afastou do convento para tentar ajudar o mundo de modo mais direto.

Viridiana é uma noviça que sob ordens de sua superiora sai para visitar o tio doente. Ele acaba por tentar seduzi-la e quase a estupra, antes de por fim se matar. Já mudada com os acontecimentos, decide não voltar ao convento e tenta ajudar um punhado de mendigos da vila.

Ateu e polêmico, Buñuel, ao longo da vida, despertou ódio nas camadas mais conservadoras da Europa, sobretudo de sua Espanha natal. Viridiana não fugiu desse destino, devido ao seu teor anti-clerical e suas críticas à moral cristã, bonita de ideais mas falha na prática e, em realidade, pouco altruísta.

Viridiana é uma jovem cheia de virtude e castidade, com uma ingenuidade quase infantil. Também muito franca, a ponto de dizer ao tio que lhe é grata pelo auxílio financeiro prestado ao longo dos anos mas que não lhe tem nenhum afeto. Também muito estúpida por, por exemplo, vestir o vestido de casamento da finada tia apenas para o tio ver. O tio, doente, solitário, viúvo que não consumou o casamento, enxerga na sobrinha virgem a esposa que morreu no dia de núpcias, ainda virgem. Vai tentar tê-la. Pede-lhe em casamento. Quase a estupra. Arrependido e diante da partida da sobrinha, se mata. 

De tais desgraças surge uma primeira iluminação. Continua crente e cristã, mas Viridiana compreende que a vida religiosa do convento muito pouco (para não dizer nada) contribui para a melhora do mundo e redução dos sofrimentos humanos. Tenta fazer de seu jeito. Há então de ver que o ser humano é, por natureza, imperfeito e ingrato. 

Aliás, é a ingratidão um dos temas centrais dessa película, cada ato generoso feito no filme por algum personagem parece ser pago com ingratidão, seja por parte do beneficiado, seja por parte da vida. Sendo a salvação da alma, segundo os ensinamentos cristãos, nada mais que uma espécie de gratidão divina pelos atos de fé e bondade realizados em vida, fica registrada mais uma crítica de Buñuel à religião.

O mundo exige das pessoas fé. A fé, para o cineasta, é algo inútil. A caridade, ainda que boa, é um pouco menos nobre do que pregam. Os atos feitos como sendo para o bem do próximo, no fundo são tentativa do indivíduo em se sentir melhor consigo (se sentir útil e bondoso, servir como remissão, se exibir, almejar a salvação da alma etc).

Além dessas desconstruções e a promoção de reflexões, o filme têm também bons feitos na área técnica, lindo de fotografia, enquadramentos e sequências. Também não faltam os simbolismos, de uma mulher a pular corda como forma de ressaltar a infantilidade da personagem à ordenha manual, com a mão da freira numa teta que, para todos os efeitos, tem, naturalmente, um formato de falo. Sem falar a relativamente bem conhecida imagem-paródia da "Última Ceia" de Da Vinci.
Viridiana é um primor.